segunda-feira, 18 de julho de 2011

Meu amigo Bob



Daniel correu para o quintal assim que o dia amanheceu. Não conseguia conter a saudade do amigo que se encontrava deitado debaixo da sombra de uma mangueira frondosa.
Assim que o viu, Bob levantou eufórico, balançando todo o seu corpo peludo, eletrizado pela adrenalina que agora inundava seu coração carente.
 Desde que ganhara seu cãozinho de natal, Daniel sentia que entre eles havia uma cumplicidade, antes conhecida nos livros, mas só agora compreendida.
  Bom dia, Bob. Dormiu bem?
Seu cachorro não falava, mas isso era apenas uma formalidade. Entendiam-se muito bem e, às vezes, ficavam horas conversando. Daniel ficava satisfeito diante das respostas implícitas no olhar alegre e carinhoso do amigo.

Sua família só ficara completa com a chegada de Bob que tornou-se um membro querido por todos. A mãe de Daniel, que fora quem mais rejeitara a ideia de ter um cachorro para acrescentar-lhe trabalho extra, era apaixonada pelo animal e os gritos constantes dela diante das trapalhadas do cão, eram motivos de muitas gargalhadas na família.
— Bob, larga a vassoura! Daniel...Pega o Bob!
E lá vinha a mãe correndo atrás dele pela casa. O pai de Daniel se fingia de morto e ficava inerte diante da bagunça. Adorava o clima festivo que o cãozinho trazia ao lar. Mas Daniel...Esse parecia não ter existido até sua chegada e bastava dar uma olhada nas fotos da casa para perceber que ali existia uma família feliz.

Numa manhã qualquer, ao chegar da aula, Daniel jogou a mochila no chão e correu ao encontro do amigo, porém o quintal naquele dia parecia estático. Não se via movimento algum, muito menos o mover alegre do cão que tanto amava. Podia-se escutar de longe os gritos do menino, apavorado pela ausência daquele que completara de maneira tão intensa a sua existência.
Ninguém conseguia consolá-lo, e apesar do pai de Daniel vasculhar todos os cantos do bairro, Bob não foi encontrado. Fotos dele foram colados nos postes da cidade e a notícia espalhada por todos os lados, mas ele nunca mais foi encontrado.
Foi difícil para a família se reerguer diante da tristeza do menino. Seu sorriso se perdeu no tempo e ficou escondido diante da sombra do cachorro desaparecido. Recolheram as fotos da casa, na tentativa de fazer Daniel esquecer mais rápido da tragédia, mas debaixo do seu travesseiro, os dois continuavam unidos como antes, numa fotografia colorida e borrada pelas lágrimas derramadas.

Depois de alguns longos meses, enquanto o pai de Daniel o levava para aula de inglês, o menino gritou para que encostasse o carro.
— Pai...acho que encontrei o Bob!
Lá estava seu cachorro, enrolado nas pernas de um menino de rua, que dormia confortável, aconchegado pelo calor dos pelos do animal que o encobria como um manto. O barulho do abrir da porta do carro fez com que Bob abrisse os olhos, e em um frenesi agudo, o cachorro correu de encontro ao seu verdadeiro dono, que de joelhos abraçava a outra metade do seu coração perdido. Não se sabe quanto tempo permaneceram ali, abraçados um ao outro, até que Daniel enxergou o menino parado, com lágrimas nos olhos, observando o seu presente ir embora.
Daniel, embaraçado, aproximou-se do menino de corpo magro. Não sabia o que dizer. E num movimento involuntário, arrancou a coleira de Bob e estendeu a mão para entregá-la ao guri.
— Não posso dar meu amigo, mas...quem sabe um dia você não encontra um que seja seu.
O menino agarrou a coleira como se fosse um pedaço daquela lembrança feliz que agora entrava no carro, como se o objeto pudesse aliviar parte de dor que sentia na despedida.
 Através da janela, Daniel observou a imagem do menino ficar cada vez menor. Queria poder curtir com mais felicidade a volta de Bob, mas algo dentro dele estava dolorido e nada podia curar isso.

Anos se passaram. Daniel andava apressado com uma caixa na mão quando subitamente parou perto de um campo de futebol, onde um “bando” de rapazes jogavam bola. Havia ali um lindo cachorro, peludo e alegre como seu falecido Bob fora um dia. Aproximou-se devagar e em seu pescoço estava a coleira, que logo ele reconheceu. Aquela que um dia fora de seu melhor amigo. Largou a caixa no chão e passando as mãos sobre o pelo dourado do animal, tentou não emocionar-se, lembrando-se do passado.
— Gostou do meu cachorro?
Daniel levantou-se num sobressalto ao se deparar com um jovem de porte atlético.
— Lindo. Tive um assim.
— Pois é. Esse cachorro mudou minha vida. Quando era pequeno não podia ter um desses, então movido pelo meu sonho, fui trabalhar num canil. Lá cresci, comecei a estudar e hoje sou veterinário. Flick foi presente de uma criadora famosa da raça. — O rapaz fazia carinho na cabeça do animal.
Daniel, emocionado com a historia resolveu ir embora antes que deixasse suas lágrimas escaparem e, em silêncio, agradeceu a atenção, indo de encontro ao carro.
— Só esqueci de contar que mais importante que o cachorro, foi a coleira.  continuou o rapaz.
Daniel parou e virou-se, a fim de escutar o resto da história, mesmo que agora as lágrimas corressem pelo seu rosto.
— Um menino...foi ele quem me deu a coleira. Graças a ela, eu quis tanto o cachorro. Nunca tive a oportunidade de agradecer.
Daniel sorriu. Trocaram agradecimentos em silêncio, meio que por telepatia, algo que só eles entendiam, mais ninguém.

Chegando em casa, um menino veio correndo de encontro ao carro de braços abertos.
— Papai... mamãe disse que você trouxe um presente pra mim!
Daniel pega seu filho no colo e abrindo o porta malas, tira a caixa e a coloca no chão. Quando abre, sai de dentro um cachorrinho, latindo feliz pela conquista da nova família.
O menino grita de felicidade e pega o cãozinho no colo.
— Papai, qual o nome dele?
— Não sei...que tal Billy?
Daniel sabia que agora sua família estava completa. Um dia chegaria a hora dele ir para o céu também e tinha certeza que Deus o estaria esperando ao lado de seu pai e sua mãe...mas sem o Bob, ah...não seria o paraíso, porque lá é onde estão os verdadeiros amigos.

Eliane Raye

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