Amanda
acordou apressada naquela manhã. Precisava chegar cedo ao trabalho. A reunião
havia sido marcada de última hora e atrasar-se seria a desculpa necessária para
que fosse afastada do cargo recém-conquistado depois de tantas batalhas
internas. Sem contar as externas. A inveja imperava em seu ambiente de trabalho
e ocupar o cargo de confiança do chefe a colocava em destaque para receber
críticas e boicotes da turma que convivia diariamente com ela em seu
escritório.
Ainda
com o pão nas mãos, desceu para a garagem. Tinha 30 minutos para chegar, e se o
trânsito ajudasse, conseguiria chegar antes da equipe. Repassou a apresentação
que faria, falando em voz alta dentro do carro, com a adrenalina fazendo-a
esquecer de alguns detalhes.
—
Calma, Amanda. Com os slides você vai se lembrar de tudo. — Apertou o estômago
que a lembrava que o pão ainda repousava embrulhado sobre o banco do carro. Mas
como o batom estava perfeitamente colocado em sua boca, desistiu de comer.
Assim
que estacionou, desceu do carro rumo ao elevador. Olhando no relógio, viu que
ainda lhe restavam 20 minutos.
Ainda
agonizada com o horário, entrou no elevador e apertou o botão do décimo andar,
mas quando as portas estavam quase se fechando, voltaram a se abrir. Amanda
apertou os olhos. Mas que droga!. O
rapaz ainda ficou parado por alguns segundos até entrar no elevador. Estampava
um sorriso largo que fez Amanda corar e abaixar o rosto.
—
Bom dia. — disse ele.
—
Ah... bom dia — respondeu enrubescida. Sentiu-se uma criança por estar
embaraçada com um simples olhar. Mas havia algo de diferente no homem ao seu
lado.
—
Por favor... sabe me informar onde fica a Faces Marketing e Comunicação?
Amanda
o olhou com curiosidade.
—
Sei. É onde trabalho... Você vai encontrar alguém?
—
Na verdade vim prestar um serviço para o novo projeto da empresa.
—
Que projeto?
—
A campanha de marketing do novo software.
—
Mas como assim... Ninguém me falou nada!
O
rapaz franziu a testa.
—
E... precisava?
—
Não... quero dizer... Me desculpe. É que acabei de assumir o cargo da Gerência
de Marketing e não fui avisada. Estranho isso. — Estendeu as mãos. — Muito
prazer, me chamo Amanda Castro.
Ele
estendeu as mãos e cumprimentou-a.
—
Eduardo Vasconcelos.
Assim
que as portas abriram, Amanda saiu na frente, não sem antes praguejar. Talvez
aquela fosse a prova de que ainda não confiavam em seu trabalho. Para que contratar mais uma pessoa para o
projeto? Olhou sobre os ombros e viu que Eduardo a seguia. Aquilo ia acabar
atrapalhando sua promoção. Batalhara tanto para o cargo.
Assim
que abriu a porta da Sala de Reuniões, a mesa ainda se encontrava vazia, como
ela havia previsto. Largou os livros sobre a mesa e dirigiu-se ao computador
para inserir o pen drive com sua palestra. Ainda lhe restavam 10 minutos antes
da sala se assoberbar de pessoas prontas para derrubar suas convicções. Eduardo
aconchegou-se em uma das cadeiras e a observava enquanto ela andava de um lado
para outro, na preocupação de colocar toda a apresentação em ordem.
—
Costuma ser sempre tão pontual?
—
Ah? — Assustou-se ao lembrar que existia alguém na sala além dela. — Ah... sim,
sempre. — Ainda olhando para o rapaz, começou a passar o texto decorado durante
a madrugada. Não podia errar uma só palavra.
Ele
sorriu. Havia algo nele que de certa maneira incomodava Amanda. Talvez a
beleza. Eduardo era um homem de traços fortes e olhos enigmáticos.
—
E charmosa, costuma também ser sempre assim?
Amanda
tentou se concentrar nas anotações.
—
Ah? Não entendi. — disse ainda duvidando dos seus ouvidos.
Eduardo
sorriu enquanto segurava a caneta que batia levemente sobre a mesa.
—
Você está de brincadeira? — disse Amanda enquanto o encarava.
—
Será? — o sorriso no rosto do rapaz desapareceu dando lugar a um olhar enigmático
que desconcertou Amanda. Daquele jeito ela não ia conseguir se concentrar.
Ela
respirou fundo. Talvez ele estivesse ali para roubar-lhe o lugar. Só podia ser.
—
Por favor, Sr. Eduardo, se não sabe, estou me concentrando para a apresentação do
novo projeto que talvez desconheça a importância, portanto se não for pedir
muito, gostaria que ficasse em silêncio para que eu possa me preparar.
Obrigada.
Amanda
virou de costas para o rapaz e tentou mais uma vez concentrar-se nas palavras
que iria falar. Já nem se lembrava mais onde havia parado.
—
Onde conseguiu esse livro?
Amanda
suspirou ao voltar-se para Eduardo, não sem antes fazer uma expressão de
desagrado.
—
Fala sério! Você veio me sabotar?
A
gargalhada tomou conta da sala. Eduardo parecia estar gostando do espetáculo,
mas ao perceber que Amanda continuava séria, conteve-se.
—
Desculpe-me. É que não consegui evitar. Você me parece tão insegura.
—
Pareço o quê???
As
portas abriram-se e diretores e gerentes do escritório começaram a entrar e
ocupar seus assentos à mesa. O burburinho fez a conversa dissipar-se. O máximo
que Amanda conseguiu fazer foi manter o olhar preso ao rapaz que ainda a
observava com olhar indecifrável.
Assim
que o Presidente da Faces entrou, o silêncio tomou conta do ambiente. Colocando-se
extremidade da mesa, ainda de pé, saudou os presentes.
—
Bom dia, senhores. Antes de mais nada, gostaria de anunciar que Amanda agora é
nossa Gerente de Marketing.
Ela,
ainda em frente à tela, sentiu o estômago contorcer diante dos olhares. Alguns amigáveis,
mas em sua grande maioria, pode perceber a raiva contida neles. Um leve bater
de palmas soou.
—
Tenho mais um anúncio a fazer. O Sr. Eduardo Freire, como vocês devem saber,
veio da Creative Magazine, onde foi um dos sócios proprietários e hoje é o CEO de
uma das maiores revistas de softwares do país, a Soft Business.
Houve
um burburinho no ambiente. Amanda sentiu o rosto ferver. Tinha agido como uma
tola na frente de um dos maiores nomes da Publicidade.
—
Eduardo irá no ajudar na nova campanha de marketing do nosso novo software de
controle de tráfego e nós teremos a honra de contar com todo seu conhecimento e
expertise.
O
rapaz levantou-se e cumprimentou modestamente todos os presentes na sala, além
de lançar um sorriso discreto para Amanda que o fuzilava com o olhar. Um soar
de palmas preencheu o espaço que agora parecia pequeno e quente demais para
Amanda.
—
Muito bem. — prosseguiu o Presidente — Amanda nos preparou um esboço para a nova
campanha e ela irá nos apresentar. Eduardo, gostaria que prestasse atenção e
fizesse seus comentários. Vai ser um bom momento para eu ter a certeza de que
coloquei Amanda no cargo correto — Deu um leve sorriso — Prossiga Amanda, por
favor. — Sentou-se
Todos
voltaram a atenção para a mulher estática, que por alguns segundos manteve-se
em silêncio.
—
Bom dia, eu... — fechou os olhos. Precisava se concentrar. Ele havia dito que era Eduardo Vasconcelos e não Eduardo Freire... Meu
Deus, Eduardo Freire trabalhava com ela.
—
Amanda?
Abriu
os olhos. Todos a olhavam com o rosto contraído. Alguns de certa maneira
sorriam, talvez apostando no seu fracasso.
—
Quando falamos em tráfego, a primeira pergunta que vem à nossa mente é... — O
primeiro slide surgiu — Será que vou chegar a tempo na reunião? Na Faculdade?
Na escola do meu filho?...
+++
Amanda
ainda aguardava o elevador quando viu o rapaz se aproximar.
—
Parabéns. Confesso que fiquei surpreso.
—
Obrigada. Não foi o que pareceu. Seus comentários não foram tão positivos assim
e talvez custe meu pescoço.
—
Eu não podia concordar em 100% com tudo que você falou. Não seria correto da
minha parte e talvez... desse muito na cara.
—
Como assim, “desse muito na cara”?
—
O quanto eu estou encantado por você.
O
silêncio tomou conta do lugar até o sinal luminoso avisar que a porta iria se
abrir. Entraram em silêncio e assim permaneceram até chegar ao térreo.
— Por que não toma um café comigo? — disse
Eduardo com um sorriso simpático no rosto.
— Não costumo tomar café com estranhos.
— Amanda arrebitou o nariz.
— Mas... acho que não somos mais
estranhos.
— Pelo que eu sei, você me disse ser o
Sr. Eduardo Vasconcelos, não o Sr. “Eduardo super famoso publicitário Freire”!
— apressou o passo até alcançar a saída do prédio. — Logo, não sei que você é!
— Virou o corpo rumo a garagem, deixando o rapaz em pé na calçada assoberbada
de pessoas que se acotovelavam apressadas com seus afazeres.
+++
Assim que entrou no carro sentiu-se
ridícula. Ainda nem era hora do almoço e parecia ter vivido milhões de
sensações naquela manhã que começara tão previsível. Assim que saiu da garagem
observou Eduardo ainda parado em frente ao prédio da empresa. Algo nele era
familiar... Não sabia dizer o que. Suspirou ainda repensando suas atitudes nada
maduras.
— Vamos lá, Sr. Eduardo Freire... Um
café não vai atrapalhar o meu dia que já virou um pesadelo! — disse, freando o
carro em frente ao prédio.
Ele entrou rapidamente, com um sorriso
aberto.
— Ainda bem que tem bom coração. Ainda
não aprendi a andar pelo Rio de Janeiro. Como bom Paulista que sou, evito vir
por essas bandas.
— Vou levar isso em conta na próxima
vez em que resolver te dar carona.
Gargalharam e seguiram rumo à
cafeteria.
+++
— Muito bem, Sr. Eduardo Vasconcelos
Freire, por que não disse quem era? — virou a xícara de café para molhar os
lábios. De certa maneira sentia-se desconfortável com um homem tão importante
sentado à sua frente.
—Não gosto de ficar expondo quem sou.
Pode soar antipático. E... não achei necessário.
— Se eu tivesse a metade do que tem, eu
sairia contando para todo mundo. — sorriu.
— Eu gostei da sua apresentação e
acredito que com alguns ajustes será a campanha perfeita para o produto. Sério.
Amanda enrubesceu.
— Obrigada.
Após alguns minutos de silencio,
Eduardo recostou-se na cadeira.
—Onde comprou aquele livro?
Amanda franziu a testa.
— Livro? Que livro?
— Vi na mesa de reuniões um livro de
capa cinza.
Amanda ainda ficou por algum tempo
tentando buscar na memória a imagem de um livro. O único fato do qual se
lembrava era do rosto do presidente da empresa a observando gaguejar durante a
apresentação.
— Ah... sim! Um livro que comprei em um
sebo. Raríssimo, diga-se de passagem. Henry Sampson... “ A História da
Publicidade”. É de 1874.
— Olha... que interessante. Já leu?
— Folheei. Não ando tendo muito tempo
para a leitura ultimamente. — Levou a xícara até a boca, enquanto tentava
parecer confortável diante da imagem imponente sentada à sua frente.
Eduardo, ajeitou-se novamente na
cadeira.
— Será que eu poderia dar uma olhada
nele?
Amanda ainda duvidando da conversa, deu
de ombros.
— Claro... Mas... por que se interessa
tanto assim?
— É um livro raro. Quem não se
interessaria.
O silêncio voltou a tomar espaço na
cafeteria. Eduardo ainda mexia o café com a colher quando voltou a olhar para
Amanda.
— Posso buscar?
Amanda franziu a testa novamente.
— O que?
— O livro — respondeu Eduardo um pouco
irritado.
Amanda ficou boquiaberta com a
ansiedade do publicitário, sempre tão seguro e confiante.
— Posso levar amanhã para o trabalho,
se quiser.
— Não! — Eduardo sorriu desconcertado.
— Quero dizer... Não posso buscar hoje?
Amanda sorriu. Havia alguma coisa de
errado no rapaz. Talvez aquela fosse a maneira que ele havia encontrado para
chama-la para sair. As pessoas andavam estranhas e os relacionamentos estava
passando por mudanças que não cabiam no seu estilo de vida.
— Olha aqui, Sr. Eduardo Freire...
Vamos fazer assim. Se você me pagar um jantar, vou pensar no assunto. O que
acha?
Ele não sorriu. De alguma maneira seu
olhar fixo desconcertou Amanda. Ela sentiu que talvez ele quisesse dizer alguma
coisa que ela não compreendia e sentiu um frio percorrer-lhe a espinha até seus
cabelos da nuca arrepiarem-se.
— Te pago as nove. — Disse enquanto
acenava para o garçom. Amanda nem teve tempo de responder e de certa maneira,
ela não conseguiu negar.
continua...