quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Atemporal ( Parte I)


Amanda acordou apressada naquela manhã. Precisava chegar cedo ao trabalho. A reunião havia sido marcada de última hora e atrasar-se seria a desculpa necessária para que fosse afastada do cargo recém-conquistado depois de tantas batalhas internas. Sem contar as externas. A inveja imperava em seu ambiente de trabalho e ocupar o cargo de confiança do chefe a colocava em destaque para receber críticas e boicotes da turma que convivia diariamente com ela em seu escritório.
Ainda com o pão nas mãos, desceu para a garagem. Tinha 30 minutos para chegar, e se o trânsito ajudasse, conseguiria chegar antes da equipe. Repassou a apresentação que faria, falando em voz alta dentro do carro, com a adrenalina fazendo-a esquecer de alguns detalhes.
— Calma, Amanda. Com os slides você vai se lembrar de tudo. — Apertou o estômago que a lembrava que o pão ainda repousava embrulhado sobre o banco do carro. Mas como o batom estava perfeitamente colocado em sua boca, desistiu de comer.
Assim que estacionou, desceu do carro rumo ao elevador. Olhando no relógio, viu que ainda lhe restavam 20 minutos.
Ainda agonizada com o horário, entrou no elevador e apertou o botão do décimo andar, mas quando as portas estavam quase se fechando, voltaram a se abrir. Amanda apertou os olhos. Mas que droga!. O rapaz ainda ficou parado por alguns segundos até entrar no elevador. Estampava um sorriso largo que fez Amanda corar e abaixar o rosto.
— Bom dia. — disse ele.
— Ah... bom dia — respondeu enrubescida. Sentiu-se uma criança por estar embaraçada com um simples olhar. Mas havia algo de diferente no homem ao seu lado.
— Por favor... sabe me informar onde fica a Faces Marketing e Comunicação?
Amanda o olhou com curiosidade.
— Sei. É onde trabalho... Você vai encontrar alguém?
— Na verdade vim prestar um serviço para o novo projeto da empresa.
— Que projeto?
— A campanha de marketing do novo software.
— Mas como assim... Ninguém me falou nada!
O rapaz franziu a testa.
— E... precisava?
— Não... quero dizer... Me desculpe. É que acabei de assumir o cargo da Gerência de Marketing e não fui avisada. Estranho isso. — Estendeu as mãos. — Muito prazer, me chamo Amanda Castro.
Ele estendeu as mãos e cumprimentou-a.
— Eduardo Vasconcelos.
Assim que as portas abriram, Amanda saiu na frente, não sem antes praguejar. Talvez aquela fosse a prova de que ainda não confiavam em seu trabalho. Para que contratar mais uma pessoa para o projeto? Olhou sobre os ombros e viu que Eduardo a seguia. Aquilo ia acabar atrapalhando sua promoção. Batalhara tanto para o cargo.
Assim que abriu a porta da Sala de Reuniões, a mesa ainda se encontrava vazia, como ela havia previsto. Largou os livros sobre a mesa e dirigiu-se ao computador para inserir o pen drive com sua palestra. Ainda lhe restavam 10 minutos antes da sala se assoberbar de pessoas prontas para derrubar suas convicções. Eduardo aconchegou-se em uma das cadeiras e a observava enquanto ela andava de um lado para outro, na preocupação de colocar toda a apresentação em ordem.
— Costuma ser sempre tão pontual?
— Ah? — Assustou-se ao lembrar que existia alguém na sala além dela. — Ah... sim, sempre. — Ainda olhando para o rapaz, começou a passar o texto decorado durante a madrugada. Não podia errar uma só palavra.
Ele sorriu. Havia algo nele que de certa maneira incomodava Amanda. Talvez a beleza. Eduardo era um homem de traços fortes e olhos enigmáticos.
— E charmosa, costuma também ser sempre assim?
Amanda tentou se concentrar nas anotações.
— Ah? Não entendi. — disse ainda duvidando dos seus ouvidos.
Eduardo sorriu enquanto segurava a caneta que batia levemente sobre a mesa.
— Você está de brincadeira? — disse Amanda enquanto o encarava.
— Será? — o sorriso no rosto do rapaz desapareceu dando lugar a um olhar enigmático que desconcertou Amanda. Daquele jeito ela não ia conseguir se concentrar.
Ela respirou fundo. Talvez ele estivesse ali para roubar-lhe o lugar. Só podia ser.
— Por favor, Sr. Eduardo, se não sabe, estou me concentrando para a apresentação do novo projeto que talvez desconheça a importância, portanto se não for pedir muito, gostaria que ficasse em silêncio para que eu possa me preparar. Obrigada.
Amanda virou de costas para o rapaz e tentou mais uma vez concentrar-se nas palavras que iria falar. Já nem se lembrava mais onde havia parado.
— Onde conseguiu esse livro?
Amanda suspirou ao voltar-se para Eduardo, não sem antes fazer uma expressão de desagrado.
— Fala sério! Você veio me sabotar?
A gargalhada tomou conta da sala. Eduardo parecia estar gostando do espetáculo, mas ao perceber que Amanda continuava séria, conteve-se.
— Desculpe-me. É que não consegui evitar. Você me parece tão insegura.
— Pareço o quê???
As portas abriram-se e diretores e gerentes do escritório começaram a entrar e ocupar seus assentos à mesa. O burburinho fez a conversa dissipar-se. O máximo que Amanda conseguiu fazer foi manter o olhar preso ao rapaz que ainda a observava com olhar indecifrável.
Assim que o Presidente da Faces entrou, o silêncio tomou conta do ambiente. Colocando-se extremidade da mesa, ainda de pé, saudou os presentes.
— Bom dia, senhores. Antes de mais nada, gostaria de anunciar que Amanda agora é nossa Gerente de Marketing.
Ela, ainda em frente à tela, sentiu o estômago contorcer diante dos olhares. Alguns amigáveis, mas em sua grande maioria, pode perceber a raiva contida neles. Um leve bater de palmas soou.
— Tenho mais um anúncio a fazer. O Sr. Eduardo Freire, como vocês devem saber, veio da Creative Magazine, onde foi um dos sócios proprietários e hoje é o CEO de uma das maiores revistas de softwares do país, a Soft Business.
Houve um burburinho no ambiente. Amanda sentiu o rosto ferver. Tinha agido como uma tola na frente de um dos maiores nomes da Publicidade.
— Eduardo irá no ajudar na nova campanha de marketing do nosso novo software de controle de tráfego e nós teremos a honra de contar com todo seu conhecimento e expertise.
O rapaz levantou-se e cumprimentou modestamente todos os presentes na sala, além de lançar um sorriso discreto para Amanda que o fuzilava com o olhar. Um soar de palmas preencheu o espaço que agora parecia pequeno e quente demais para Amanda.
— Muito bem. — prosseguiu o Presidente — Amanda nos preparou um esboço para a nova campanha e ela irá nos apresentar. Eduardo, gostaria que prestasse atenção e fizesse seus comentários. Vai ser um bom momento para eu ter a certeza de que coloquei Amanda no cargo correto — Deu um leve sorriso — Prossiga Amanda, por favor. — Sentou-se
Todos voltaram a atenção para a mulher estática, que por alguns segundos manteve-se em silêncio.
— Bom dia, eu... — fechou os olhos. Precisava se concentrar. Ele havia dito que era Eduardo Vasconcelos e não Eduardo Freire... Meu Deus, Eduardo Freire trabalhava com ela.
— Amanda?
Abriu os olhos. Todos a olhavam com o rosto contraído. Alguns de certa maneira sorriam, talvez apostando no seu fracasso.
— Quando falamos em tráfego, a primeira pergunta que vem à nossa mente é... — O primeiro slide surgiu — Será que vou chegar a tempo na reunião? Na Faculdade? Na escola do meu filho?...

+++

Amanda ainda aguardava o elevador quando viu o rapaz se aproximar.
— Parabéns. Confesso que fiquei surpreso.
— Obrigada. Não foi o que pareceu. Seus comentários não foram tão positivos assim e talvez custe meu pescoço.
— Eu não podia concordar em 100% com tudo que você falou. Não seria correto da minha parte e talvez... desse muito na cara.
— Como assim, “desse muito na cara”?
— O quanto eu estou encantado por você.
O silêncio tomou conta do lugar até o sinal luminoso avisar que a porta iria se abrir. Entraram em silêncio e assim permaneceram até chegar ao térreo.
— Por que não toma um café comigo? — disse Eduardo com um sorriso simpático no rosto.
— Não costumo tomar café com estranhos. — Amanda arrebitou o nariz.
— Mas... acho que não somos mais estranhos.
— Pelo que eu sei, você me disse ser o Sr. Eduardo Vasconcelos, não o Sr. “Eduardo super famoso publicitário Freire”! — apressou o passo até alcançar a saída do prédio. — Logo, não sei que você é! — Virou o corpo rumo a garagem, deixando o rapaz em pé na calçada assoberbada de pessoas que se acotovelavam apressadas com seus afazeres.
+++

Assim que entrou no carro sentiu-se ridícula. Ainda nem era hora do almoço e parecia ter vivido milhões de sensações naquela manhã que começara tão previsível. Assim que saiu da garagem observou Eduardo ainda parado em frente ao prédio da empresa. Algo nele era familiar... Não sabia dizer o que. Suspirou ainda repensando suas atitudes nada maduras.
— Vamos lá, Sr. Eduardo Freire... Um café não vai atrapalhar o meu dia que já virou um pesadelo! — disse, freando o carro em frente ao prédio.
Ele entrou rapidamente, com um sorriso aberto.
— Ainda bem que tem bom coração. Ainda não aprendi a andar pelo Rio de Janeiro. Como bom Paulista que sou, evito vir por essas bandas.
— Vou levar isso em conta na próxima vez em que resolver te dar carona.
Gargalharam e seguiram rumo à cafeteria.
+++
— Muito bem, Sr. Eduardo Vasconcelos Freire, por que não disse quem era? — virou a xícara de café para molhar os lábios. De certa maneira sentia-se desconfortável com um homem tão importante sentado à sua frente.
—Não gosto de ficar expondo quem sou. Pode soar antipático. E... não achei necessário.
— Se eu tivesse a metade do que tem, eu sairia contando para todo mundo. — sorriu.
— Eu gostei da sua apresentação e acredito que com alguns ajustes será a campanha perfeita para o produto. Sério.
Amanda enrubesceu.
— Obrigada.
Após alguns minutos de silencio, Eduardo recostou-se na cadeira.
—Onde comprou aquele livro?
Amanda franziu a testa.
— Livro? Que livro?
— Vi na mesa de reuniões um livro de capa cinza.
Amanda ainda ficou por algum tempo tentando buscar na memória a imagem de um livro. O único fato do qual se lembrava era do rosto do presidente da empresa a observando gaguejar durante a apresentação.
— Ah... sim! Um livro que comprei em um sebo. Raríssimo, diga-se de passagem. Henry Sampson... “ A História da Publicidade”. É de 1874.
— Olha... que interessante. Já leu?
— Folheei. Não ando tendo muito tempo para a leitura ultimamente. — Levou a xícara até a boca, enquanto tentava parecer confortável diante da imagem imponente sentada à sua frente.
Eduardo, ajeitou-se novamente na cadeira.
— Será que eu poderia dar uma olhada nele?
Amanda ainda duvidando da conversa, deu de ombros.
— Claro... Mas... por que se interessa tanto assim?
— É um livro raro. Quem não se interessaria.
O silêncio voltou a tomar espaço na cafeteria. Eduardo ainda mexia o café com a colher quando voltou a olhar para Amanda.
— Posso buscar?
Amanda franziu a testa novamente.
— O que?
— O livro — respondeu Eduardo um pouco irritado.
Amanda ficou boquiaberta com a ansiedade do publicitário, sempre tão seguro e confiante.
— Posso levar amanhã para o trabalho, se quiser.
— Não! — Eduardo sorriu desconcertado. — Quero dizer... Não posso buscar hoje?
Amanda sorriu. Havia alguma coisa de errado no rapaz. Talvez aquela fosse a maneira que ele havia encontrado para chama-la para sair. As pessoas andavam estranhas e os relacionamentos estava passando por mudanças que não cabiam no seu estilo de vida.
— Olha aqui, Sr. Eduardo Freire... Vamos fazer assim. Se você me pagar um jantar, vou pensar no assunto. O que acha?
Ele não sorriu. De alguma maneira seu olhar fixo desconcertou Amanda. Ela sentiu que talvez ele quisesse dizer alguma coisa que ela não compreendia e sentiu um frio percorrer-lhe a espinha até seus cabelos da nuca arrepiarem-se.
— Te pago as nove. — Disse enquanto acenava para o garçom. Amanda nem teve tempo de responder e de certa maneira, ela não conseguiu negar.


continua...

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